quinta-feira, 26 de maio de 2011

Na pele

Este espaço foi reservado para o depoimento pessoal de usuários de cadeiras de rodas, que nos cederam, muito generosamente, informações de como sentem na pele as questões relacionadas à acessibilidade. Saliento que atendendo ao pedido desses amigos, não os identifiquei.
Renata Oliveira.

Salvador, maio de 2011

Já se passaram duas décadas desde o acidente que me levou à condição de cadeirante. Passei a viver com uma limitação física considerada severa, tetraplegia. Inicialmente, só mexia a cabeça e, depois de alguns meses, recuperei alguns movimentos dos braços, que me permitiram começar a realizar tarefas básicas.

Diante desse cenário, comecei a perceber que não seria fácil enfrentar os desafios da vida com tantas limitações, as barreiras dessa prova pareciam intransponíveis.

Ao longo do tempo fui me adaptando com a situação, encontrando os caminhos para superar e se reconhecido como um ser capaz. Passei a refletir sobre o ambiente familiar, quanto ao apoio no que se refere às rotinas do dia-a-dia e aos atravessamentos sócio-econômicos do deficiente físico, ou seja, seu convívio social e evolução do ponto de vista cultural, financeiro e outros.

A atitude da família é muito importante, tendo em vista que há uma tendência natural à superproteção, que acaba por deixar a pessoa mais fragilizada, sem os anticorpos necessários para a peleja do dia-a-dia. Percebi que o caminho é a naturalidade, a exposição às rotinas comuns a todos os seres humanos, diversão, estudo, trabalho, convívio social, elementos que possibilitam às pessoas a construírem sua história.

Refleti, também, sobre as interferências externas, como as barreiras atitudinais, que compreendem posturas afetivas e sociais, traduzindo-se em discriminação e preconceito. Essas têm a capacidade de diminuir a pessoa com deficiência, restringindo as possibilidades de desenvolvimento e de relação social.

Estava conversando com uma colega um dia desses e ela me disse que, numa viagem à Argentina, soube que os deficiente são chamados de incapacitados. Não conheço a língua, nem a cultura deles, talvez, referir-se assim a uma pessoa com deficiência seja o politicamente correto, sei lá! O certo é que, a meu ver, chamar um deficiente de incapacitado é uma ofensa. Soa como se ele não pudesse realizar qualquer tipo de tarefa, é uma avaliação prévia e depreciativa de sua capacidade.

Uma outra palavra comumente usada é inválido, que dá uma conotação de indivíduo sem valor. Considero palavras desse tipo como uma barreira atitudinal, dado ao poder de afetar a autoestima da pessoa, de desestabilizá-la.

Além de palavras depreciativas, existem outros exemplos desse tipo de barreira que são menos evidentes, tais como: exaltação da imagem da pessoa com deficiência como modelo de persistência e coragem frente aos outros, ou, ainda, aquele elogio exagerado quando da realização de qualquer tarefa.

Pois bem, vencidas as barreiras impostas pela própria família decorrentes da superproteção, bem como as atitudinais, o deficiente depara-se com outras barreiras externas, as de acessibilidade. E agora? As demais podem até ser resolvidas intrinsecamente, o próprio deficiente, dotado de uma autoestima elevada, tem capacidade de driblá-las. Mas as de acessibilidade dependem do poder público, conhecido pela sua morosidade e ineficiência.

Anualmente, no dia 21 de setembro, é comemorado o dia dos portadores de necessidades especiais e o que mais se vê no noticiário são matérias voltadas às dificuldades de ir e vir, diante dos obstáculos que as cidades apresentam.

Quase todas mostram a precariedade do transporte urbano, os passeis esburacados e sem rampas, o acesso nas escolas, faculdades, edifícios públicos e outros. Mostram que, definitivamente, as cidades não estão preparadas para atender sequer as necessidades primárias do portador de deficiência.

A legislação prevê um sem número de medidas que visam a minimizar as dificuldades, no entanto a efetividade não se observa. Do papel para a prática exige a intermediação dos que são grandes o suficiente para pensar a diferença.

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Salvador, maio de 2011

Sendo de uma classe privilegiada, pois tenho uma família que acreditou em mim e não me colocou em uma redoma de vidro , ao contrário, me deu todo aparato para estudar e progredir na vida me dando a oportunidade de cursar uma faculdade, me formar e, assim passar em um concurso público federal, ter meu carro, enfim me tornar uma pessoa independente, dentro das minhas limitações.

Mas quando o assunto é acessibilidade, a situação complica, como cadeirante enfrento muitas dificuldades para me locomover sozinha em Salvador. Enfrento problemas nos Shoppings, por exemplo, o Iguatemi tirou o elevador panorâmico, restando apenas um pequeno elevador social , no qual cabe a cadeira de rodas e um acompanhante que fica apertado, parecendo uma lata de sardinha, ou então podemos fazer uso do elevador de cargas!!!!!!!!!!!! Um absurdo!!!!! Outros problemas enfrentados por nós cadeirantes são as vagas nos estacionamentos públicos e dos Shoppings, as pessoas não respeitam e estacionam sem o menos constrangimento nas vagas reservadas. Bares que não têm banheiros adaptados, são a grande maioria......no Hospital Aliança as pessoas estacionam seus carros nas vagas reservadas e ninguém faz nada......Nos Shoppings os cadeirantes não têm prioridade, as pessoas que poderiam subir e descer nas escadas rolantes fazem questão de usar os elevadores ......No Hiper na avenida ACM, quando montam stands para alguma promoção, as vagas reservadas são as escolhidas para o evento.....vemos assim que o descaso não é apenas do governo é de toda uma sociedade que não respeita as diferenças....

O artigo 5º da Constituição Federal estabelece o que se convencionou a chamar de direito de ir e vir de todos os cidadãos brasileiros. Ou seja, qualquer pessoa, livre ou não de deficiência ou mobilidade reduzida, deve ter o direito de poder chegar facilmente a qualquer lugar. O que podemos perceber é na realidade a coisa não funciona desta forma, Salvador não tem uma infra-estrutura adequada para as pessoas portadoras de necessidades especiais se locomoverem com liberdade , os passeios públicos estão cheios de desníveis, buracos, não existem rampas, quando existem estão fora dos padrões, lixeiras colocadas aleatoriamente, bueiros destampados, pisos escorregadios....e ainda falamos de uma sociedade de inclusão?!!!!!!!!

Um comentário:

  1. Ao ler o depoimento de vocês, tenho a certeza do quanto ainda precisamos mudar para respeitarmos a diversidade humana e garantirmos o direito dos cadeirantes de viver plenamente na cidade de Salvador.

    Agradeço a disponibilidade de vocês em contribuir para sabermos um pouco mais sobre as dificuldades enfrentadas e exercitarmos a consciência a respeito das nossas falhas e equívocos cotidianos. Assim, esperamos desenvolver em nós atitudes sensíveis, reconhecendo as necessidades alheias como inerentes à diversidade tão característica da humanidade.

    Obrigada!

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